Bebês com problemas na visão e na audição, atraso no desenvolvimento, crises epiléticas e alterações musculares. Bebês com o perímetro cefálico normal, mas com vários tipos de alterações cerebrais.
Essas são algumas das complicações que vêm sendo investigadas por médicos e pesquisadores diante do surto de zika e microcefalia que atinge o país.
A maioria desses problemas já é conhecida dos profissionais porque costumam aparecer em crianças com microcefalia causada por outros motivos que não o zika vírus – como, por exemplo, rubéola, sífilis ou toxoplasmose contraídas pela mãe durante a gravidez.
Outras complicações, como determinadas lesões oculares e determinadas atrofias cerebrais, estão sendo pesquisadas especificamente nos bebês com microcefalia associada ao zika vírus ou mesmo em bebês com perímetro cefálico normal nascidos em área de grande incidência de zika.
Por esse motivo, especialistas estão inclusive defendendo que é preciso passar a usar termos como “síndrome congênita do zika”.
“Nunca é só a microcefalia sozinha, ao menos nos casos que eu vi até agora”, disse a ginecologista e especialista em medicina fetal, Adriana Melo, ligada ao IPESQ ( Instituto de Pesquisa Professor Joaquim Amorim Neto) e à Maternidade Instituto Saúde Elpídio de Almeida (Isea), em Campina Grande (PB).
“A microcefalia é o sinal mais evidente. Porque você vê, você mede com a fita métrica. Mas quando a gente faz um ultrassom ou uma ressonância, há outros danos, que podem variar de calcificações (no cérebro) a artrogripose (doença que provoca a contração das articulações ou deformações das das mãos, punhos e joelhos).
Adriana integra um grupo de pesquisadores, ligados também à UFRJ e à Fiocruz, que acompanhou as gestações de 10 mulheres infectadas pelo zika nos estágios iniciais da gravidez e cujos fetos tinham complicações.
Segundo a médica, uma dessas complicações é a ventriculomegalia, em que a cabeça do bebê pode ter o tamanho normal, mas na realidade, seus ventrículos cerebrais são ampliados por estarem preenchidos de líquido – o que faz o cérebro não se desenvolver da maneira correta.
“As crianças começaram com a microcefalia, mas ela foi compensada pela ventriculomegalia”, explica.
Amílcar Tanuri, virologista do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, que também colaborou com a pesquisa, diz que é preciso sistematizar as complicações nesses bebês.
“A gente quis sistematizar os problemas que encontramos e descrevê-los como se fosse uma síndrome. É uma tentativa até para ajudar outros médicos, que também poderão acrescentar as características que observarem. Porque há outras complicações, problemas no nervo ótico, no globo ocular, na retina.”
Segundo o Ministério da Saúde, na maioria dos casos, a microcefalia é acompanhada de alterações motoras e cognitivas, que variam de acordo com o grau de acometimento cerebral.
“Em geral, as crianças apresentam convulsões, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, e, em alguns casos, as funções sensitivas, como audição e visão, também são afetadas. O comprometimento cognitivo, por exemplo, ocorre em cerca de 90% dos casos”, afirmou o Ministério em nota, complementando que todos os casos suspeitos devem ser notificados para que seja possível também identificar causas e alterações neuropsicomotoras associadas.
Entre as complicações que já eram conhecidas pelos médicos estão as crises epiléticas. “Elas são comuns em crianças com qualquer tipo de microcefalia, ocorrendo em até 50% dos casos, em qualquer momento da vida, especialmente nos primeiros anos”, explica a neuropediatra Ana Carolina Coan, da Unicamp.
“Mas nas microcefalias mais graves – onde há vários tipos de malformações no cérebro, que pode ter calcificações ou a chamada lisencefalia (transtorno em que cérebro, sem pregas e sulcos, fica “liso”) – a criança fica mais debilitada e o risco de crises epiléticas é maior.”
Esse dado é relevante visto que um estudo recente de pesquisadores brasileiros que acompanhou 35 bebês com microcefalia mostrou que 71% deles tinham um grau severo da condição.
Publicada pelo Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), a pesquisa foi coordenada por uma força-tarefa da Sociedade Brasileira de Genética Médica e assinada por pesquisadores de diversas instituições brasileiras, como Universidade Federal do Rio Grande do Sul, USP, Fundação Oswaldo Cruz, Hospital Infantil Albert Sabin (Fortaleza).
O estudo mostrou ainda que 49% dos bebês tinham pelo menos um tipo de anormalidade neurológica. E entre os 27 bebês que passaram por exames de diagnóstico por imagem (ultrassom ou tomografia), todos apresentaram algum problema, como calcificação ou lisencefalia.
O problema neurológico mais comum encontrado nas crianças analisadas nesse levantamento foi a alteração de tônus muscular, ou seja, redução da capacidade de contrair ou relaxar o músculo (em 37% dos casos).
“Tônus diminuído é um problema que pode fazer com que o bebê tenha dificuldade, por exemplo, de sugar o peito da mãe e que pode causar atrasos nos primeiros marcos (do desenvolvimento), como sustentar a cabeça e deglutir”, afirma o neurologista Tarso Adoni, coordenador do departamento de Neuroepidemiologia da Academia Brasileira de Neurologia.
Segundo o estudo publicado pelo CDC, os bebês também apresentavam problemas elevados de reflexos (20%), irritabilidade (20%), tremores (11%) e convulsões (9%).
Fora os problemas neurológicos, foram detectados complicações como artrogripose, pé-torto (má formação em que o pé se encontra torcido em maior ou menor grau) e excesso de pele no crânio, o que indica que o feto sofreu um estresse ainda no útero da mãe, interrompendo seu desenvolvimento normal.
O secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Alberto Beltrame, também já informou que há registros de surdez e cegueira congênitas, além de malformação do globo ocular em bebês que nasceram com microcefalia causada pelo zika.
No protocolo para orientar profissionais de saúde a lidar com bebês com suspeita de microcefalia e com sua família, o Ministério da Saúde retira a necessidade de se fazer os testes do pezinho, orelhinha e olhinho, para detectar complicações precocemente.
“No caso da microcefalia, a mesma está relacionada a alterações do desenvolvimento neuropsicomotor e do comportamento que podem ser acompanhadas por problemas auditivos e visuais”, afirma o protocolo, que indica que a triagem auditiva deve ser feita nos primeiros dias de vida, e completa dizendo que “a presença da microcefalia é um indicador de risco para perda auditiva.”
No caso das lesões oculares, um estudo brasileiro publicado na revista científicaThe Lancet detalha as lesões oculares encontradas em bebês com microcefalia cujas mães presumidamente tiveram zika na gravidez. Outras possíveis causas de microcefalia, como rubéola, foram descartadas.
Dos 29 bebês examinados, 10 deles (34,5%) tinham anormalidades oculares graves. As mais comuns foram alteração pigmentar (espécie de mancha na retina) e atrofia da retina, além de anormalidades no nervo óptico. Esses são distúrbios que podem causar perda parcial ou total da visão.
“É importante notar que nenhuma dessas mães teve doença ocular”, afirma um dos co-responsáveis pelo o estudo, o oftalmologista Rubens Belfort, professor da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), indicando que eles não herdaram esses problemas.
“Ainda não sabemos como essas lesões podem evoluir no futuro, mas sabemos que algumas lesões podem se agravar com o passar do tempo, até muitos anos depois.”
Rubens afirma ainda que a pesquisa agora inclui mais de 100 casos nos locais mais afetados pelo surto no Nordeste e confirma que alguns deles demonstram que “há sim a possibilidade de se ter essas lesões oculares sem microcefalia”.
Para o oftalmologista, o correto seria examinar todos os bebês nascidos onde há maior incidência de zika.